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20 de Abril de 2024

Como é morar em um país que realmente cuida da maternidade

Por que mulheres latino e norte-americanas não sabem o que é viver em um país onde as mães não têm de viver exaustas, ansiosas e sem suporte.

Publicado por Gabriel Muniz
há 5 anos

Quando sua filha nasceu, no inverno passado, Rina Mae Acosta sabia que podia contar com a ajuda de uma fada madrinha.

Ou, para ser mais precisa, de uma kraamverzogster, a enfermeira que visita diariamente todas as novas mamães holandesas nos primeiros oito dias depois do parto. Elas passam até oito horas por dia na casa da nova mãe, fazendo o que for necessário para ajudá-la mãe a descansar e a estabelecer a primeira conexão com o bebê. A kraamverzogster lava roupa, faz compras no supermercado ou toma conta de outras crianças mais velhas, além de checar a saúde do recém-nascido.

“Os holandeses acreditam nessa abordagem pragmática de cuidar da mãe”, explica Acosta, que tem dois outros filhos, de 3 e 7 anos, e é co-autora de The Happiest Kids in the World: How Dutch Parents Help Their Kids by Doing Less (As crianças mais felizes do mundo: como os pais holandeses ajudam os filhos fazendo menos, em tradução livre).

“Ela basicamente segurou minha mão e me ensinou a filosofia de cuidar da minha própria saúde, para que assim que consiga cuidar dos meus bebês. Minha conexão com a enfermeira foi tão especial que ela virou minha amiga e me ajudou com meus três filhos.”

Tudo isso é fortemente subsidiado, ou então completamente coberto, pelo sistema de saúde público – e as mães holandesas também têm direito a quatro meses de licença maternidade. Nos Estados Unidos, as mulheres têm de esperar de quatro a seis semanas para fazer um check-up pós-parto, e 40% delas acabam não passam pelos exames, segundo o American College of Obstetricians and Gynecologists – possivelmente porque já voltaram a trabalhar.

Não é surpresa que Acosta, que mudou-se de San Francisco para a Holanda depois de se apaixonar por um holandês, ache que as mães americanas sintam-se abandonadas. Mas a Holanda não é o único país a oferecer serviços pós-parto que são o sonho das novas mamães.

As leis da Suécia garantem até 16 meses de licença combinados para o pai e a mãe. O equivalente sueco da fada madrinha é permitir que os pais tirem até 30 dias de folga no primeiro ano de vida do bebê, para que eles larguem o trabalho a qualquer momento e corram para a ajudar a mulher caso necessário. Um estudo recente da Universidade Stanford indica que as prescrições de remédios antiansiedade para as mães caiu 26% desde a adoção da política.

Na França, as novas mães têm direito a fisioterapia gratuita para cuidar do assoalho pélvico depois do parto; no Japão, elas ficam até dez dias no hospital para se recuperar. E o sistema de saúde pública do Reino Unido significa que as mães nunca têm de pagar pela estada no hospital.

Enquanto isso, as americanas recebem alta antes das europeias, voltam a trabalhar mais cedo e têm os mais altos índices de mortalidade maternal dos países ricos (um risco especialmente alto entre as mulheres negras). Não é à toa que os primeiros meses deixem as mulheres exaustas, ansiosas e se perguntando se ter um filho deveria ser tão difícil assim.

A americana Lisa Ferland teve seu primeiro filho nos Estados Unidos e o segundo, na Suécia, país apontado pelo Unicef como o melhor do mundo para criar filhos. A diferença, afirma ela, é que o sistema sueco “é como estar envolvida num cobertor quentinho. Tem alguém cuidando de você.”

Quando eu filho Calvin nasceu, há oito anos, Ferland morava em Atlanta e trabalhava para uma ONG ligada à área de saúde. Juntando férias e dias de folga, ela conseguiu ficar fora do trabalho durante três meses, além de voltar trabalhando menos horas inicialmente. “Acho que tive muita sorte. Mas já tinha voltado a trabalhar em tempo integral antes de meu filho dormir a noite inteira, e acho que acabei ficando um pouco ansiosa. Estava completamente exausta.” Quando seu marido, um consultor de telecomunicações, recebeu uma oferta para trabalhar no exterior, ela viu a chance de levar uma vida de família diferente.

A primeira coisa que Ferland percebeu ao ter Lucy, agora com cinco anos, foi a calma das parteiras. (Os serviço pré-natais na Suécia em geral são liderados por parteiras, e consultores médicos entram em ação só em casos mais complicados.) “Na Suécia existe uma coisa chamada lagom, que é algo como ‘nem demais nem de menos’; na medida certa”, afirma ela. “É muito tranquilo, muito relaxado.”

Depois de um parto caseiro inesperado, ela e o marido foram para o “hotel de bebês” do hospital – uma área coordenada por parteiras em que as novas mães passam até três dias para se recuperar, com a ajuda para dar de mamar e criar conexão com o bebê. (Os pais pagam uma pequena taxa para ficar no “hotel”) . “Foi tão bom, não parecia nada médico”, lembra Ferland, autora de “Knocked Up Abroad” (grávida no exterior, em tradução livre), uma coleção de histórias de expatriadas. “Ficamos abraçados na cama olhando a bebê. Depois do parto do meu filho, ele foi levado gritando, e só voltou horas depois.”

Após da alta, as mães recebem apoio de enfermeiras comunitárias, que ficam responsáveis pelos cuidados com o recém-nascido e com a nova mãe nos primeiro dias.

“Você estabelece um relacionamento com a enfermeira, porque tende a encontra-la semanalmente no começo”, diz Jill Leckie, que estava no sétimo mês de gravidez quando mudou-se da Inglaterra para Estocolmo e ainda estava se adaptando ao país quando nasceu Stella, sua filha. “Foi a enfermeira que percebeu que eu estava sofrendo de ansiedade pós-parto.”

Apesar de logo ter consultado um psicólogo, Leckie afirma que não são só os serviços pós-natais da Suécia que ajudam a saúde mental das mães; é a interação sem sobressaltos entre o sistema de saúde pública e uma cultura de trabalho em que as mães não sentem culpa por estarem afastadas do trabalho.

“Se você recebe uma ligação da escola dizendo que sua filha está com 40 graus de febre, você larga tudo, e o chefe diz: ‘Saia daqui’”, afirma Leckie, autora do site littlebearabroad.com, que oferece informações para expatriadas e organiza brincadeiras com crianças de famílias que falam inglês em Estocolmo. “Você fica perplexa com os outros países que têm essa cultura de presenteísmo, de pensar: ‘Ai, meu Deus, não podem me ver com uma família. Tenho de trabalhar o tempo inteiro’. É uma loucura.”

As mães suecas também vivem numa cultura igualitária, e a expectativa é que os pais façam sua parte. O marido de Ferland tirou oito meses de licença paternidade, algo que ela considerou revolucionário: “Foi uma inversão completa de nossa estrutura social ele dizer: ‘Eu cuido disso’. Essa inversão de papeis foi ótima para o nosso casamento”. A família também tirou proveito dos subsídios oferecidos nos serviços pós-natais, que podem cobrir até 90% dos custos. “Isso me permitiu trabalhar como freelancer e ser empreendedora, correr esses riscos – é um ambiente mais amigável para mulheres que querem empreender”, diz Ferland, que tem uma consultoria para autores que querem publicar seus livros sozinhos.

Os escandinavos pagam por esses serviços públicos generosos por meio de impostos mais altos, é claro. Mas será que existem outros custos escondidos?

Uma das desvantagens do famoso senso de solidariedade social dos nórdicos é a expectativa de que todos se conformem às normas. Ferland ficou chocada quando uma professora a admoestou por só ela levar e buscar a criança da escola. (Espera-se que os casais suecos dividam esse tipo de tarefa, e as feministas afirmam que as mulheres devem exigir que os pais façam metade do trabalho relacionado às crianças como maneira de alcançar a igualdade no mundo do trabalho.) Mães que ficam em casa cuidando dos filhos são uma raridade nos países escandinavos, bem como empregar babás ou usar creches.

“Você tem de entender que a conformidade é a fundação da Suécia”, diz Leckie, casada com um sueco. “É incomum que a mãe fique cuidando do filho até ele completar três anos.”

O argumento mais forte contra a importação desse estilo para os Estados Unidos é o fato de que as mulheres poderiam sofrer na carreira depois de ficar tanto tempo afastadas do trabalho. A cultura de trabalho em meio período para as mães holandesas é apontada como um dos motivos pelos quais as mulheres não alcançam posições de liderança. Na República Tcheca, onde os pais têm direito a ficar até quatro anos em licença (somando pai e mãe), as empresas começaram a receber incentivos para contratar mães, porque existe a preocupação de que ausências prolongadas possam estar tirando as mulheres do mercado de trabalho.

Mas evidências de estados pioneiros como a Califórnia, que instituiu a licença maternidade remunerada há mais de uma década, estão começando a mudar a conversa.

Em junho, Connecticut e Oregon tornaram-se o sétimo e oitavo estado americano, respectivamente, a oferecer licença paternidade remunerada, além de 12 semanas para as novas mães. Quatro anos depois de Barack Obama mencionar o tema em seu discurso do Estado da União, e três anos depois de Ivanka Trump insistir que o pais prometesse seis semanas de licença remunerada na campanha de 2016, o assunto deve ser um ponto importante na eleição presidencial do ano que vem.

“O ambiente político certamente está mudando”, diz Jessica Mason, analista sênior de políticas da National Partnership for Women and Families, uma ONG que trabalha pela criação de leis que garantam licenças remuneradas e acesso à saúde pública. “Graças a esses estados, temos evidências de que pode funcionar.”

Pesquisas indicam que a política californiana (seis semanas de licença remunerada) não só melhora a vida familiar, mas também pode ajudas mães na carreira. Mães que tiraram licença acabaram trabalhando mais horas depois de voltar ao trabalho. Ou seja, tirar um tempo pode ajudá-las a continuar num trabalho que elas poderiam ter sido forçadas a abandonar.

Quando esse tipo de política é implementado da maneira correta, afirma Mason, as mulheres sentem mais conexão com o trabalho. “Mas os detalhes são importantes. Uma das lições [aprendidas pelos legisladores americanos] é garantir uma licença justa, para que ela não tenha de ser ‘dividida’ entre o pai e a mãe”, acrescenta ela.

Mason reconhece, entretanto, que a licença remunerada não é suficiente. O cuidado com as mães e os serviços pós-parto são essenciais para que as mães não se sintam isoladas. “Há muitas evidências mostrando que a mulher não precisa só se recuperar depois do parto, mas também de companhia nos primeiros meses”, afirma ela.

Mas, se houver mudanças, elas acontecerão em ritmo glacial. As mães europeias ficam chocadas com o fato de as americanas não se revoltarem. Uma explicação é que adotar um estilo mais europeu significaria não só mudar as leis; seria necessária uma mudança de paradigma para os americanos: a ideia de uma família feliz deixaria de ser algo de responsabilidade exclusiva dos pais e dependeria mais de recursos e ajuda do governo.

“Seria uma revolução cultural completa: expectativas dos empregadores, expectativas salariais”, diz Ferland. Ela aponta que os escandinavos veem os serviços desfrutados pelos seus filhos como um investimento feito por toda a sociedade por meio dos imposto, enquanto nos Estados Unidos ainda há estigma em torno das doações governamentais.

Mason concorda que essas diferenças culturais são profundas, mas, ainda assim, ela acha que esse abismo está diminuindo. “Mais e mais americanos não apenas estão se conscientizando, mas também estão se manifestando a respeito da importância da ajuda do governo, que deveria garantir que todos tenham acesso a direitos básicos e benefícios como licenças remuneradas.” Um dia, quem sabe, a ideia de uma introdução mais gentil à maternidade não pareça mais um conto de fadas.

Fonte: HUFFPOST Brasil - https://bit.ly/2K4L3ef

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